Participo de um clube do livro organizado por
que a cada mês traz escritores para discutirem sobre seus respectivos trabalhos. A seleção é de primeira e sempre rende ótimos papos. Ontem, por exemplo, tive o privilégio de trocar uma ideia com Marçal Aquino, de quem sou fã. Ele escreveu um dos livros que mais me marcou - Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios – e tá nessa vida há 60 anos, acumulando experiência no jornalismo, publicidade, roteiro de cinema e televisão, além da literatura, é claro.No mesmo clube, mas em outra ocasião, também conversei com Carol Bensimon, escritora que adoro e conheci inicalmente por aqui, através de sua newsletter
. Comecei a ler seus livros e viciei. É bem meu número.Se por um lado Carol tem a minha idade e um background parecido de gostos musicais e referências contemporâneas, Marçal tem a autoridade que só o tempo confere, capaz de dar conselhos e transmitir aquela calma de que tudo vai dar certo. Em comum, os dois escrevem prosas realistas, coesas, sem grandes firulas ou derramamento de palavroso (acho que foi o termo que ele usou). Nada contra qualquer outro tipo de escrita, admiro muito quem faz, mas sou mais do tipo direto ao ponto, talvez por ser também jornalista. Adoro os dois muita coisa.
Dentre as histórias compartilhadas ontem, uma das que mais gostei foi relacionada ao nome do livro em questão. Ele conta que o título surgiu assim, de repente, e ele ficou encantado com sua poesia e sonoridade. Porém, ao compartilhar a ideia com amigos próximos, todos foram veementes em sentenciar que não funcionaria. Editores, inclusive, se negaram a publicar o livro com essa frase enorme. Foi salvo pela Flip. Ao participar de uma mesa lá atrás, nas primeiras edições da festa, jogou pra plateia: disse que tinha um romance pronto cujo título não podia revelar, pois seria defenestrado. O público obviamente puxou o coro “conta, conta” e ele contou. Foi aplaudido e Luiz Schwarcz – dono da Companhia das Letras e presente na ocasião – prontamente se candidatou a publicar o romance. O resto é história. O livro teve uma trajetória sensacional e virou filme – como é comum na carreira de Aquino.
Depois de todo o sucesso, Marçal vai almoçar com Rubem Fonseca, seu amigo de longa data e desde sempre contra o título – achava que a obra deveria se chamar Lavínia, como a protagonista – e pergunta: “Viu, Zé Rubem, e agora? Você estava errado, deu certo”. No que o outro rebate: “ainda é um péssimo titulo”.
Teve também o caso de “O Invasor”. Um dia ele acordou com esse título na cabeça, achou genial e, para ele existir, foi obrigado a escrever um livro. E o caso de voyeurismo nas linhas cruzadas, passatempo preferido de Marçal que acabou com o fim das linhas telefônicas, mas que foi vital para ensiná-lo a escrever diálogos.
Marçal é cheio de anedotas e casos que compartilha na maior generosidade. Mas também teve ensinamentos, que servem tanto a quem pretende escrever como àqueles que só querem viver melhor:
Leia muito, leia sempre. Quem lê enxerga o mundo com mais nitidez.
Se você quer escrever, leia e não tenha medo de se contaminar pelo estilo de ninguém, não existe autogênese na literatura, somos todos fruto do que lemos e gostamos.
Se quiser escrever, escreva. Sua voz virá com o tempo, assim como a história que você quer contar. Ninguém acorda com uma obra-prima na cabeça assim, de repente.
É preciso compartilhar o que se escreve, sempre vai ter gente que não vai gostar, mas talvez muitos gostem.
Essa última frase não foi ele quem disse, é mais um resumo de tudo que ele falou, uma livre tradução. No mais, leiam Marçal, leiam Carol e leiam Mateus. E, por favor, não sejam prolixos. Pela atenção, obrigada.