Foi-se o tempo que eu curtia causar. Hoje, quando isso acontece, pode ter certeza que não é de propósito. Uma amiga disse que com a pandemia perdeu a habilidade de conversar. Eu acho que perdi a estamina social e tenho uma preguiça imensa de ficar debatendo coisas que antes me davam o maior barato. Dito isto, falemos de literatura e, perdão, darei uma opinião impopular e não solicitada: não consegui passar das primeiras páginas de Tudo é Rio, de Carla Madeira.
Mas antes que taquem pedra, opinião é gosto, que é um troço totalmente pessoal e por isso eu tenho direito a não gostar da moça. Isso não quer dizer que eu seja do contra, só acho cafona. Pronto. Não curto exageros de analogias, não dá pra mim, acho pretensioso. Mas respeito quem curte, não desdenho, tenho até amigos que gostam etc e tal e tudo bem.
A escritora Noemi Jaffe diz que a escrita literária é como uma pintura de Cézanne: você vê a maçã e também o jeito como ela foi pintada. Então para ser bom, o como de um livro é tão importante como o quê.
Isso me leva ao assunto que queria tratar de verdade, relacionado à nova literatura: tenho achado tudo muito mastigado. Não vou citar ninguém - brasileiro - porque não faz sentido ficar gongando escritores a torto e direito, mas sinto que muito do que tem sido produzido por aí peca pelo didatismo. Inclusive deu treta sobre isso recentemente no mundo literário : alguém que falou mal de Torto Arado e isso virou o maior auê. Nesse caso nem achei que procedia a acusação, inclusive gosto muito do livro do Itamar Vieira Junior.
O ponto é que a beleza da literatura está também no que não é dito. Essa lacuna é, inclusive, uma das condições para um bom conto e por isso que este é um dos gêneros mais complexos, onde a graça reside exatamente fora das palavras. Os romances, porém, têm deixado pouco espaço para o leitor se perder e tirar as próprias conclusões, principalmente quando o tema gira em torno de questões nichadas, como raça ou gênero.
Talvez por uma necessidade de “passar a mensagem”, alguns se assemelham a trabalhos acadêmicos, como um coreano que li recentemente – Nascida em 1982, de Kim Jiyoung – sobre a realidade das mulheres coreanas e os profundos impactos da desigualdade de gênero. O livro poderia facilmente ser uma tese de mestrado — oops, citei um livro — falta sutileza e sobram números e dados envoltos em um roteiro previsível como de uma novela mexicana.
Fico pensando se o leitor está sendo subestimado em sua capacidade reflexiva, se é falta de talento, tendência ou só medo do autor de não virar tema de debate nas redes sociais. Pode ser um misto de tudo também. Pode ser mesmo que o leitor esteja preguiçoso, caso contrário essa sobras não estariam sendo lidas, comentadas e adoradas.
Felizmente existem exceções e, como o objetivo é enaltecer quem manda bem, segue aqui uma lista de livros recentes, cujos temas são atualíssimos e também escritos lindamente:
Os tais caquinhos - Natércia Pontes
Açúcar Queimado - Avni Doshi
A filha única - Guadalupe Nettel
A Cachorra - Pilar Quintana
Os Viajantes - Regina Porter
Garota Mulher Outras - Bernardine Evaristo
Depois que escrevi reparei que são todas mulheres e de diferentes nacionalidades. Que delícia!
PS: O Rodrigo Casarim, da
, escreveu um texto ótimo sobre estarmos todos lendos os mesmos livros. Vale a reflexão.
Os tais caquinhos, da Natércia Pontes, merecia ter tido mais reconhecimento. Que livro!
Me lembrou um pouco um texto da Lygia Bojunga chamado: Livro, eu te lendo.. (acho que não preciso esclarecer que é uma indicação, não é? Rsrs)