Já vou começar me desculpando pela ausência. A vida às vezes acontece demais e afeta a produção literária da pessoa. Não me estenderei mais pois a intenção aqui não é baixoastralizar a leitura de ninguém. Vamos falar de coisa boa, vamos falar do Rio de Janeiro. Como todos deveriam saber, a cidade fez aniversário há pouco, dia 1 de março, data muito propícia, ainda no fervo do verão, estação que representa o Rio mais do que qualquer arrastão ou assalto a mão armada.
Eu poderia falar muito sobre o Rio, meu amor eterno, amor verdadeiro. Amo e odeio esse caos na mesma proporção e realmente não espero que ninguém de fora entenda, é como um relacionamento tóxico. Não vou perder tempo enumerando os problemas que fazem a cidade ser inviável (e o paradoxo disso tudo), mas isso aqui te proporciona experiências que só vivendo para entender.
Uma das mais marcantes que guardo foi justamente num 1 de março. Em 1991 Tom Jobim fez um show em homenagem à cidade, um privilégio absurdo. O piano foi colocado na pedra do Arpoador e o público se espalhou pela areia daquela noite quente. Eu tinha nove anos e nunca me esqueci. Fomos em grupo, com amigos da minha mãe, que aproveitava para iniciar as comemorações de seu próprio aniversário, no dia seguinte.
Lembro da felicidade ao constatar que sabia todas as letras das músicas porque a gente ouvia muito Tom Jobim em casa. O mar estava calmo e a água morninha, que, segundo um amigo da minha mãe, era porque muita gente tinha feito xixi ali durante o dia. Eu achei essa piada hilária — eu tinha nove anos — e por vir justamente do Marcelo, um cara mais sério, que não costumava fazer esse tipo de brincadeira. Mas nessa noite todo mundo estava mais leve, na minha memória era como se pairasse uma atmosfera meio mágica no ar. Todo mundo sabia que estava presenciando um acontecimento especial.
Nossas memórias da infância nunca são muito confiáveis, de modo que fui pesquisar sobre o evento e confirmar se tinha sido tudo isso mesmo. Eis que me deparo com uma crônica de Ruy Castro na Folha, na ocasião da morte do maestro, em 1994, em que ele faz uma referência a esse show. O fato que ele descreve no trecho eu não me lembro, infelizmente, mas acho que dá para ter uma ideia do que foi aquela noite e do tipo de experiência que só o Rio pode proporcionar:
“Outro de seus últimos shows no Rio foi enriquecido por um toque fortuito, que veio pingar beleza sobre o já infinitamente belo. Foi há três anos, na praia do Arpoador. Exatamente quando Tom interpretava o "Samba do Avião", o aviãozinho da Ponte Aérea passou quase rasante sobre a multidão, piscando suas luzes. A multidão aplaudiu o avião e todo mundo ali se sentiu como se, naquele samba e naquele momento, estivesse contida toda a felicidade a que o ser humano tem direito."
deve ter sido mesmo um momento inesquecível. que inveja… rs