Trabalhar atrapalha muito a vida. Tanto coisa para se viver, ler e escrever e lá estamos nós dia após dia, comprometendo oito, nove horas do nosso dia a um ofício que nos impossibilita de usufruir plenamente do tempo que nos resta na Terra e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, é exatamente o que possibilita que a gente usufrua de qualquer coisa em primeiro lugar. O capitalismo, enfim.
Como millennial de primeira hora, faço parte de uma geração que passou a juventude ouvindo que deveríamos trabalhar com propósito e nos realizar ali. Foi a época que a máxima “escolha um trabalho que você ame e não terá que trabalhar um único dia em sua vida” estava no auge. O que é muito irônico, porque a época mesmo dessa frase data de 552 a.c e sua autoria é atribuída a Confúcio, um filósofo chinês de um tempo onde capitalismo ainda era tudo mato.
#funfact: já ouvi gente dizer que a frase foi dita por Steve Jobs. Pano rápido.
Bom, voltando aos danos causados à minha geração, foi bem nessa época aí, sob essa filosofia, que surgiu o Linkedin. Na real ele foi fundado em 2003, mas o lance pegou mesmo uns dez anos depois, daquele jeito que vocês sabem: chuva de gente forçando a barra para se mostrar felizão e satisfeito em seus empregos. Todo mundo babando o ovo do Vale do Silício e das empresas que ofereciam “lazer” para seus funcionários, como quadras de basquete, mesas de ping pong e jovens andando de skate no estacionamento. Aquela patuscada envelopada em “ambiente descontraído para favorecer mentes criativas”. Sei nem o que dizer, só sentir.
E eu senti muito, senti pra caramba. Não só eu, como toda minha geração. A gente não era feliz, não estava realizado, não trabalhávamos com propósito e foi dureza navegar nesses tempos. Nos sentíamos menores, inferiores, os sem luz, sentimento de únicos a estar de fora da festa. Muita grana para análise, dinheiro que, obviamente, não chegava.
Daí, que de repente os ventos mudaram, uma pandemia rolou e as prioridades foram revistas. De repente uma nova máxima: tudo bem você não trabalhar com o que gosta, você não precisa ser feliz no seu emprego, o trabalho existe para financiar todo o resto, que se chama vida. Então entramos na era dos hobbies, dos projetos paralelos, onde é ok dizer pro seu chefe “só estou aqui pelo dinheiro”. Porém, não convém ser tão direto.
A mudança pode ser sentida principalmente no próprio Linkedin, com posts sincerões que têm transformado a plataforma num verdadeiro muro das lamentações. Por mim, tudo bem. Há quem diga que a rede está virando no que um dia foi o Facebook. Faz um certo sentido, mas dá um quentinho essa sensação de “máscaras estão caindo”. Até que enfim alguém falando a verdade, não é, não?
Mas nem todo mundo ta curtindo esse novo mindset, com medo que a galera comece a evoluir mais o pensamento de que talvez não seja tão legal assim trabalhar pra cacete e nunca ter tempo nem dinheiro, já teve CEO vindo a público reclamar que o gado anda preguiçoso, que o povo tem mais é se fuder e ser grato pelo contracheque. Pegou mal, o tal moço se desculpou, mas geral sentiu o golpe. “Ah, então é isso que eles pensam?” Bem, voilà.
(Eu realmente achava que a frase ia surpreender um total de zero pessoas, mas sempre tem o time dos incautos que acreditam nos bilionários bonzinhos)
A verdade é que não sabemos quanto tempo esse momento woke e sincero vai durar. Se o mundo vai acabar antes da próxima onda ou se dessa tendência “faça o seu para pagar as contas e seja feliz depois das 18h” vai surgir outra coisa. Na dúvida, seguimos aqui, escrevendo nas horas vagas, bolando projetos paralelos e reclamando sempre, claro.
Parar de reclamar: jamais!
beijos
Triste ter 44 anos e meu sonho é me aposentar. Já te contei a minha ideia da aposentadoria reversa? Sou uma pensadora daquela coleção da Editora Abril.